sexta-feira, 18 de março de 2011

Artigo: O Dilema dos Colecionadores

Por Gustavo Barreto


Há um ditado que diz que “o que diferencia os homens dos animais é a capacidade do homem de comprar mais livros do que consegue ler”.

Risadas à parte, a necessidade do ser humano de “ter coisas” vem desde a infância e encontra-se em nosso DNA.

Não resta dúvidas: comprar dá uma sensação de prazer, de poder, e ostentar o que se possui também pode dar um certo prazer.

Ao que parece, a internet intensificou este problema: é muito fácil comprar produtos e serviços de onde quer que seja, e o efeito da propaganda boca-a-boca, (ou seria melhor dizer “post-a-post”?), assumiu proporções inimagináveis perante o mercado de consumo.

Na mesma proporção ficou mais fácil de ostentar o que se tem também, o que colaborou com o estímulo das mais diversas coleções.

Com toda a certeza, coleções de jogos de tabuleiro não são exceção a esta regra, e não raro compramos jogos que simplesmente não temos oportunidade de apreciá-los:

A falta de tempo é um dos fatores importantes e a falta de grupo para jogar é outro ponto importante também, mas não são os únicos fatores:

Muitas vezes é a curiosidade que motiva a aquisição do jogo; é exatamente o fato de não conhecer as regras, que leva à aquisição deste – nestes casos o risco de ter mais um parado na estante é ainda maior, pois não se sabe se o jogo vai cair no agrado.

No entanto, o mais comum é o sujeito comprar o jogo, até gostar dele, jogar uma ou duas vezes e ele ser abandonado para ficar na estante guardando pó.

Está cada vez mais comum: o sujeito consulta a Internet, lê sobre um determinado jogo, vê o ranking dele em sites especializados, lê alguns comentários positivos, fica curioso, e compra.

O jogo chega, aquela felicidade, a adrenalina sobe ao remover a embalagem do correio, o cheirinho de novidade, o alívio de ter chegado inteiro, sem taxação, bate-se uma foto, espalha-se a notícia pela Internet, ele desembrulha o jogo, coloca-o na estante aguardando “a próxima jogatina” a qual “com certeza” ele será apreciado, e logo depois começam os problemas:
  • Vai conseguir reunir amigos e convencê-los a experimentar esta esta novidade em detrimento de outras possibilidades?
  • Será que todos estes amigos vão ter tempo para dispender para jogar pelo menos uma partida dele?
  • Será que o comprador vai gostar do jogo?
  • Será que os amigos do comprador vão gostar do jogo?
  • Será que não terão pessoas no grupo a mais ou a menos do que o jogo comporta?
  • Será que o grupo vai se interessar em jogar mais uma partida levando-se em consideração os jogos que já possuem? E em caso positivo, quantas vezes?
  • Será que este jogo será jogado novamente, vamos dizer, nos próximos 12 meses, pelo menos?
  • Depois que passar o gosto pela novidade, será que ainda irão apreciá-lo?

É evidente que a coleção tem um prazer em si mesma, e o prazer de “ter pelo fato de ter”, pode ser o suficiente para alguns.

Por outro lado, todo o colecionador pode passar por um dilema terrível.

Ao ver um jogo na estante, que até gosta, mas que não é jogado, não sabe se sente prazer por tê-lo ou descontentamento por nunca ter oportunidade de jogá-lo, e sentir que desperdiçou dinheiro nesta aquisição.

Dependendo da quantidade de “títulos parados”, a coleção vai parecer mais um “museu” do que uma “ludoteca”, e muitas pessoas se sentiriam desconfortáveis nesta situação.

Algumas vezes, o jogo pode ser comparado àquela bicicleta ergométrica, que proporciona duas alegrias ao seu comprador: uma quando é comprada e outra quando é vendida.

Àqueles que não desejam cair neste “dilema dos colecionadores”, segue uma sugestão:

Antes de adquirir um jogo, dê uma passadinha na FunBox, e alugue o jogo por uma semana, experimente-o algumas vezes e veja a reação dos seus amigos, isto vai te dar informações preciosas.

Veja também com cuidado o tempo do jogo e fique um pouco atrás com jogos muito demorados: de modo geral são mais raros de serem jogados.

Compre apenas o que você já conhece e o que gostou realmente, busque só os que considerar “obrigatórios”, e que atingiram também o gosto de pelo menos de alguns de seus amigos, pois você não vai jogar sozinho.

Analise também a rejogabilidade, e veja se você ou o seu grupo não vão enjoar tão cedo dele.

Certamente se existisse uma loja de locação de biciletas ergométricas muitas delas não seriam vendidas...

Se quer escapar do dilema do colecionador, tenha certeza que vai conseguir superar as dificuldades apontadas acima, e que terá condições de jogar uma partida com alguma freqüência, porque como diz outro ditado, um pouco mais sábio que o do primeiro parágrafo:

“- O mais importante não é ter: é desfrutar”.

Sobre Gustavo Barreto: Formado em Direito pela PUC SP, é especialista em Direto Empresarial, desde 2003. Como designer de jogos de tabuleiro desde 1989 e mestre de RPG desde 1993, abriu a sua própria empresa em 2010 para lançar alguns de seus melhores títulos de jogos de tabuleiro, porque não aguentava mais os seus amigos pedindo emprestado seus protótipos.


3 comentários:

  1. Excelente texto! Estou certo de que muitos amigos jogadores se identificarão com o descrito (eu mesmo incluso!).

    O ideal mesmo é jogar o jogo antes de comprá-lo. Se possível, com os amigos (jogando e depois ajudando a comprar!).

    Em tempo: mas que dá uma vontade de ter uma sala igual a essa da foto, ah, isso dá...

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  2. Esta sala era na verdade o acervo da FunBox antes de nós existirmos :D

    A pessoa embaixo da "avalanche de jogos" é a própria Vanessa :)

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  3. Tenho uma mixa colecao de menos de quinze jogos. Mesmo assim tem coisa parada na estante. Embora seja levemente gratificante admirar as laterais organizadas lado a lado na estante, nao pretendo tornar a coleçao maior, e sempre tento trocar algum jogo que, por um dos motivos citados na matéria vão raramente para a mesa.

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