quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Vintage, com assinatura

Por Nuno Sentieiro do blog Spiel Portugal


Vintage é um jogo sobre vinho do Porto, claro. Nada de novo aqui. Gil d'Orey, provavelmente o mais profíquo designer português da atualidade, brinda-nos agora, uma vez mais e ainda bem, com um tema português, acompanhado pelo D'ouro Boy, Dirk Niepoort, um homem, também ele, cheio de ambições e de empreendedorismo, que conhece o meio como ninguém e que apostou neste jogo que agora nasce. Sorte a dele, diremos nós.

Tal como os vinhos de Niepoort, também os jogos de Gil d'Orey têm uma assinatura muito própria. Deve ser um motivo de orgulho quando já se reconhece um designer pela sua obra, pela forma como ele os vê e interpreta. Os jogos são histórias de Portugal, contadas em torno do tabuleiro, com a família a jogar em conjunto, dos 8 anos em diante todos podem apreciar os seus títulos, e algumas mecânicas de assinatura como sejam as cartas com acções especiais ou um mapa onde existam movimentações. Estas podem ser as, por agora, assinaturas de Gil d'Orey.

E Vintage corresponde à expectativa de lançar um tema muito internacional e apaixonadamente nacional também, que explora a produção de vinho do porto, visita as caves de Gaia, introduz a aguardente como fundamental no processo de produção e utiliza também as diversas regiões do mapa com algumas nuances importantes e concretas, uma vez mais, puxando à realidade do tema. Podemos não saber nada de vinho do porto mas, depois de jogarmos Vintage, algumas certezas restam: o D'ouro tem zonas melhores ou piores para a produção de uva. As castas mais importantes são as que aparecem no jogo. Não há vinho do porto sem aguardente. Desconheça-se tudo o resto, ficamos com esta informação ao final de um jogo que seja. E isso é também aspecto fundamental na obra de Gil d'Orey. A complexidade do jogo nunca atrapalha a forma como ele nos ensina a jogar e a ver a história em volta do tabuleiro. Só por isso, merece-nos sublinhar Vintage e a sua, também, componente did'áctica.

Quando a procura do vinho de excelência começa na única quinta que os jogadores detêm naquela magnífica paisagem duriense, a corrida ao sucesso do negócio começa a ficar apertada e os jogadores desdobram-se em adquirir novas quintas para expandir o seu negócio, plantar novas vinhas para que os lotes de vinho que produzam sejam cada vez melhores, ou ainda busquem a ajuda que as cartas lhes podem dar. Todas estas formas de chegar ao sucesso são conseguidas usando fichas de ação e ainda a super ficha de ação, O Capataz. Cada uma destas fichas vale 1 ponto de ação, o capataz tem um valor indefinido, uma vez que pode ser sempre usado (ou quase sempre). Mas usado em quê? O que fazer com as fichas? Estas fichas são a mecânica do jogo, aquilo que o faz mover. Cada jogador começa com 4 destas fichas mais o capataz. Caso adquira mais quintas como parte da sua estratégia, ganha mais destas fichas. Ou seja, o desenvolvimento da sua micro economia faz com que o jogador obtenha mais meios. As fichas são colocadas e a acção imediatamente executada. Quando o jogador é o primeiro a escolher determinada ação, este só precisa colocar uma ficha. O segundo jogador, para executar a mesma ação, já necessita de meter 2 fichas, o terceiro, 3 e assim sucessivamente. Ou seja, a ordem de turno, 1º, a forma como se gerem as fichas, 2º, são aspectos fundamentais para o sucesso da estratégia de cada um. Um jogador com somente 4 fichas ao invés de 5 ou 6, pode ter melhor desempenho se conseguir jogar "nos intervalos". "Jogar nos Intervalos" significa, de alguma forma, conseguir escolher ações em timing mais adequado e, mais importante ainda, não precisar de fazer certas coisas quando os outros precisam. Mas esta componente estratégica está para o jogador descobrir.
O Capataz, a figura incontornável da vinha duriense, é o nosso homem que chega a todo o lado. Cada jogador tem um único e usa-o "pagando" uma ação que custe 1 ou 4. É igual, o capataz consegue sempre executar a ação desde que para isso tenha espaço na respectiva caixa de jogo. A exceção aqui prende-se com a movimentação do barco, ação em que não é possível usar o Capataz.

A escolha de ações gastando pontos de ação (discos) revela-se como sendo a estrutura do jogo conferindo-lhe um grau de interacção muito interessante. A interação neste jogo é muito forte e pode mesmo ser cruel (ludicamente falando) para um jogador que veja a sua ação essencial do turno completamente esgotada e impossível de concretizar (daí a importância estratégica de conseguir jogar nos intervalos dos adversários). As ações vão sendo feitas até todos os jogadores jogarem todas as suas fichas (é possível um jogador ter mais que um turno seguido se ainda tiver fichas e os seus adversários não), concluindo-se então o turno. Cada turno corresponde a um ano de colheita em que a produção pode ser melhor ou pior conforme a sorte que o clima determinou. Aqui a sorte, ou melhor dizendo, a aleatoriedade, desempenha um papel algo relevante mas não fundamental. No início de cada ano é revelada uma ficha de valor, com intervalo de 0 a 2 que representa a qualidade do ano em causa. Significa que quando houver a acção vindimar este valor aleatório vai influenciá-la. O recurso ao clima aleatório introduz o tema na vida do vinho do porto e também o jogo dentro do jogo. Nos jogos de Gil d'Orey não há o que nada de aleatório tenha. Normalmente um dado. Vintage não é excepção e tem esse dado também. Se o clima é igual para todos, o dado define melhor a sorte específica de cada um. Aqui os jogadores podem queixar-se da má sorte num dado cujas probabilidades de ter bons resultados são até boas mas que podem ser frustradas por um mau lançamento contra um bem melhor. Estes lançamentos do dado são pessoais e resultam do engarrafamento do nosso vinho em que este pode ser melhor ou pior conforme o nível geral da qualidade do que estamos a engarrafar. Não parecem resultados determinantes, estes que os dados avançam, porque os pontos de vitória que se alcançam de um lote para outro de vinho não são significativos mas, como existem poucos lançamentos (os jogadores recorrem ao engarrafamento 4/5 vezes num jogo) o número de lançamentos não é muito elevado, fazendo com que a sorte, naquele dia, possa não querer nada com um jogador em detrimento de outro.

Não esquecer a navegação. O último título de Gil d'Orey, Caravelas, tinha a navegação do expansionismo português como móbil da história. Em Vintage os rabelos sobem e descem o D'ouro com o objetivo de levar vinho às caves. Sistema de transporte simples mas muito funcional em que a introdução de uma regra de movimentação simplificada permite com que os jogadores possam, sempre, mover o seu barco, uma vez que cada movimento custa uma única ficha. Se a mecânica da movimentação está simplificada e, de certa forma, ajuda à elegância do desenrolar do jogo, o mesmo já não se poderá dizer das cartas de ação. A utilização das cartas é feita com a utilização de uma ficha de ação também. Aliás, tanto a ação biscar uma carta como jogar uma carta necessitam de uma ficha de ação. A ideia base para que isto aconteça faz todo o sentido na lógica do jogo mas, de certa forma, resulta de uma forma algo atabalhoada e pouco intuitiva. Não parece natural a utilização das fichas, especialmente para se jogar cartas. Este o maior apontamento negativo que reparamos no jogo embora não belisque a sua essência.

Comprar quintas, plantar vinhas, vindimar, lotear o vinho, engarrafar e vendê-lo são os passos de Vintage. Com a ajuda do enólogo, por vezes, sem a sua ajuda outras tantas. Vintage é um jogo divertido e apresentado em dois formatos. Um mais simples a que podemos chamar versão família, outro mais complexo e "difícil" para quem procure uma experiência mais encorpada. O mapa é, na minha opinião, muito bonito, embora alguma da informação esteja algo escondida ou não seja completamente clara. O mesmo acontece com os símbolos usados nas cartas de ação. Não há muita variedade de cartas o que torna fácil a sua compreensão mas, confesso que não as achei muito intuitivas quando vi os símbolos. Este é um jogo bem feito, personalizado, para consumir desde já mas que melhora com a idade. Jogue-o à temperatura ambiente e sem moderação.

Nota de Prova:

+ Facilidade de "chegar" ao jogo
+ Qualidade geral dos componentes
+ Contar uma história usando um tabuleiro
+ Dois formatos de um mesmo Vintage - para famílias e para "homenzinhos"

- As cartas. Os símbolos pouco claros e a sua utilização atrapalha a elegância do conjunto
- A forma como não podemos fugir do que o jogo nos dá. Tem de se jogar convencionalmente

  • Jogo: Vintage
  • Autor: Gil d'Orey
  • Editora: Mesa Boardgames
  • Ano: 2011
  • Classificação: 7,5/10

(fonte)

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