quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Especiarias no Espaço I – Desenhando

Por firepigeon do blog Firepigeon


Porquê um jogo de comércio de ficção científica? Segundo Richard Hamblen, o autor do Merchant of Venus, editado pela mítica Avalon Hill em 1988, a ideia original começou por ser a de um jogo rápido, que fosse dominado pelas decisões do jogador e não pela sorte. Originalmente o período histórico que se pretendia retratar foi alterado à medida que o desenho evoluiu, com o desenho a alterar o tema, e de um tema baseado no comércio pelas grandes potências europeias do século XVI, no Oceano Índico e arredores, este passou para o comércio intergaláctico, ficando simplesmente a tarefa de inventar um mapa que se auto-reinventasse em cada jogo, uns marcadores e regras que juntassem tudo.

Depois do Vasco da Gama ter descoberto a rota marítima para as Índias, os europeus passaram a poder ir comprar as cobiçadas especiarias na origem, passando por cima dos inúmeros intermediários que até aí inflacionavam os preços. Os lucros espectaculares que se obtinham resultaram numa competição entre navios mercantes armados até aos dentes, e num estado de guerra fria que se estendeu durante décadas. Assim o comércio das especiarias foi uma das grandes aventuras da história do homem, cheia de perigos, aventureiros, bandidos, fortunas, impérios, culturas exóticas, violência, sexo (já vos despertei o interesse?) e o ocasional herói que se elevava acima dos demais para ser cantado em odes.

O período do Comércio das Especiarias iniciado pelos portugueses, contem tema suficiente para centenas de jogos, mas o que apanhou a atenção do autor foi a importância do dinheiro. O dinheiro era o objectivo final e derradeiro da competição, ao mesmo tempo que servia de combustível que mantinha tudo a andar. Os mercadores tinham de investir dinheiro para fazer mais dinheiro, e tinham de investir nos meios de guerra para expandir e proteger as suas rotas, e comprar melhores produtos, e navios, e postos de comércio, e armas, etc, etc. Cada investimento criava mais dinheiro (ou a capacidade de ganhar mais dinheiro), por isso os mercadores corriam a ganhar dinheiro e a investi-lo o mais rápido possível. Ainda para mais, cada investimento e cada decisão (incluindo a de fazer guerra) tinha de se traduzir em lucro. Normalmente (e ainda hoje) a economia dita a diplomacia o rumo que esta tem de tomar, mas nunca como durante essa época esta relação foi tão visivel, desenvergonhada, simples, directa e eficaz.

Cada mercador fazia dinheiro comprando bens num porto e vendendo-os noutro, de forma que para ter o maior lucro ele tinha de negociar nos bens mais lucrativos e fazer mais viagens. Isto pode parecer simples, mas era necessário ter uma capacidade inata de reconhecer entre tantos portos e mercadorias, os padrões de flutuação dos valores destas últimas. Uma vez que quanto mais viagens conseguisse fazer maiores seriam os lucros, o mercador tinha que balancear os lucros de cada viagem com o tempo que a mesma demorava. Para evitar perder tempo, convinha que o navio chegasse a um porto onde vendesse a sua mercadoria pelo melhor lucro e que aproveitasse esse tempo para comprar e embarcar a mercadoria que poderia ser vendida no próximo porto.

A Richard Hamblen toda esta situação parecia perfeita para um jogo. Qualquer número de jogadores poderiam mover-se e negociar para fazer dinheiro, e reconhecer e utilizar a rota mais lucrativa seria um desafio que iria recompensar o melhor jogador. Com base nisto bastaria introduzir o elemento de investimento, e assim o jogador que tivesse os melhores investimentos e as melhores rotas comerciais, mereceria ganhar o jogo. Infelizmente alguns aspectos do Comércio das Especiarias interferem com esta simples competição. Historicamente todos os mercadores tinham de regressar à Europa para obterem os lucros fantásticos e adquirirem novos equipamentos, de forma que os eventos no velho continente afectavam os mercadores (foi esta situação que arruinou o império comercial português). Também a expectativa de acontecimentos que iriam acontecer brevemente na Europa faziam distorcer muitas das decisões efectuadas no Extremo Oriente. Mesmo que ignorassem as directivas europeias, os mercadores estavam mentalmente condicionados na política de fecharem os portos à competição. E finalmente os mercadores enfrentavam uma geografia muitas vezes desconhecida, mercados que não controlavam e eventos totalmente fora do seu controlo.

Num jogo, os jogadores mais tarde ou mais cedo sabem tudo o que poderá vir a acontecer, começam por saber toda a geografia, as localizações exactas dos melhores mercados, e os eventos que irão acontecer nos turnos futuros. A juntar a isto a ligação à Europa iria complicar as regras e distorcer a competição. O mercantilismo ira arruinar o jogo, e um conhecimento omnisciente de todas as localizações nunca iria recriar a situação histórica. Com os jogadores a lidarem com as situações como se tivessem poderes mentais sobrenaturais, todos os jogos seriam como uma sessão de espirita.

Com base neste desenvolvimento das mecânicas e do que pretendia modelar e face aos problemas que não conseguia resolver, Richard Hamblen decidiu-se a transplantar o núcleo do jogo para um tema de ficção científica. Assim o comércio competitivo ganhou um universo sem lei e uma geografia simplificada que aumentava a velocidade de jogo e intensificava as trocas comerciais. Liberto da realidade histórica já era possível inventar nativos estranhos e produtos maravilhosos para recuperar o ambiente dos tempos em que a pimenta, a noz moscada e o cravinho eram raros e cobiçados. Melhor ainda, agora o jogo podia redesenhar o universo de cada vez que fosse jogado, de forma que os jogadores teriam sempre um universo novo para explorar.

Foi neste ponto que o balançar de um jogo de comércio, com um de ficção científica e de guerra, que se levantou a questão: seria vendível? Sabendo-se que há jogadores que olham para cada um destes temas/mecanismos com horror, juntá-los todos num único jogo poderia matar o mesmo à nascença. Assim as regras de combate tornaram-se opcionais. A ficção científica passou a ser um tema que dava cor e pequenos efeitos coloridos, mas de resto limitar-se-ia a descrições fantásticas que podiam ser ignoradas durante o jogo. No centro e à frente e como o único iluminado pelas luzes da ribalta, passava a estar unicamente o jogo de comércio, que agora era jogável, competitivo e enganadoramente simples à primeira vista.

23 anos depois, o Merchant of Venus ainda cumpre tudo quanto o seu autor esperava dele.

Quer conhecer Merchant of Venus? Venha jogá-lo na FunBox!

(Clique aqui para ler a Parte 2 da matéria)

(fonte)

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